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Ziuj, o deus do destino dos Apukás.


Na minha estada junto aos Apukás, percebi que existe uma classe de homens e mulheres muito discretos que vivem nas sombras.


Acima de todos, estão os membros da Açitsuj, uma casta social formada por pessoas consideradas sagradas, como deuses e divindades que vivem na floresta, nas copas das árvores, e se reúnem em seu templo sagrado, o Murof.


A língua utilizada por essa casta social é uma das mais antigas, e seus hábitos remontam aos primórdios da humanidade. Sua escrita é formal e secreta, e somente os iniciados conseguem decifrá-la ou se comunicar com os membros desta sociedade divina.


Os membros desta casta são poderosos, têm controle sobre suas vidas, seus destinos e as ações de todos os Apukás. Confesso que tenho muito receio do que esses indivíduos são capazes de fazer com essa comunidade.


Por isso, é recomendado que todo silvícola Apuka siga os Somón, para evitar tornar-se Uer no Ritual do Destino. Mas se, por azar, esse Apuka for um Oãlicav, ele inevitavelmente será considerado um Uer, e passará pelo terrível Ritual do Destino. Esse moribundo terá a possibilidade de retornar ao seu destino inicial, mas será levado ao ostracismo junto aos Apukás excluídos.

Ao relatar mais sobre essas divindades, os membros da Açitsuj possuem uma hierarquia bem definida, com nomes diferentes e funções distintas, mas todos têm a especialidade de interferir no destino dos mortais Apukás.


Os Apukás comuns não têm muito contato com essas divindades, pois elas são discretas, frequentam lugares especiais e vivem isoladas do resto da comunidade. Apenas em situações conflitantes que só são resolvidas mediante dádivas e oferendas para iniciar o ritual do destino ou para a resolução de conflitos.


Entre os membros da Açitsuj, existe uma hierarquia que vai desde o membro com pouco poder, o Odagovda, até o mais poderoso, o Açitsuj ad Ortsinim. Este último só pode ser invocado em situações especiais, mediante dádivas ou Oãçitep.


Uma característica peculiar dos membros da Açitsuj é que todos possuem escravos, que organizam suas rotinas, rituais e programam as datas dos rituais em um calendário sagrado pré-estabelecido. É interessante e peculiar observar que esses escravos detestam serem chamados de escravos, mas gostam de serem chamados de Soiráutnevres, pois muitos são vaidosos e sensíveis.


Nesta casta, eles possuem uma hierarquia que vai do mais poderoso ao mais simples, e todos têm muitos Soiráutnevres e são bem remunerados. Vivem em locais separados, não precisam caçar, pescar ou realizar qualquer atividade fora de suas funções. São tratados como divindades, pois têm o privilégio de interferir no destino de todos.


Certa vez, um Oiráutnevres relatou que todos os membros da Açitsuj desfrutam de curandeiros especiais, proteção, transporte e acesso aos feiticeiros médicos mais habilidosos. Além disso, contam com os serviços de Soiranoicnuf, que cuidam de seus filhos, animais e roupas especiais.


Dentro da Açitsuj, os membros têm à disposição os melhores guerreiros para sua proteção, assim como sábios encarregados da educação de seus filhos. Eles residem em casas especiais e recebem dádivas divinas para viverem em harmonia com suas famílias.

Embora ninguém conheça exatamente o volume ou a quantidade das dádivas recebidas, sabe-se que sua magnitude está relacionada à habilidade ou posição hierárquica ocupada dentro da Açitsuj.


Na hierarquia da Açitsuj, há o Odagovda, um guardião que se destaca por sua informação, cultura e habilidade com as palavras. Eles possuem conhecimento dos segredos da natureza e dominam a língua secreta utilizada nos rituais. Ávidos por dádivas, sua nobre função é proteger qualquer silvícola em situação de conflito mediante oferendas e presentes.

O guardião atua como tradutor do Uer, aquele que vai falar com o Ziuj no ritual do destino, que ocorre no templo Murof.

Já os Seziuj, que formam o coletivo de Ziuj, são considerados divindades, e seus parentes são tratados como tal. Possuem os mesmos privilégios e recebem dádivas sem precisar trabalhar. Na maioria das vezes, são protegidos, cuidados e estão acima de todos os demais.


Os Sezíuj acreditam ser descendentes diretos da Deusa ÉKID e, por isso, reivindicam um tratamento especial. Embora se considerem mortais, recusam-se a acreditar nesse relato.


Eles detêm poder sobre os outros mortais e são responsáveis diretamente pelo ritual do destino. A palavra final e o veredito pertencem a eles.

Se algum Ziuj cometer qualquer forma de crime, não será excluído, não será execrado nem sofrerá punição. Será eternamente condenado ao ócio, mantendo, no entanto, seu status de divindade e seus privilégios.

Quanto ao ritual para solução dos conflitos, denominado Otnemagluj, é considerado sagrado. Realizado dentro do templo, em uma sala com pouca luz, os Oiráutnevres fazem todas as anotações das palavras sagradas proferidas entre os membros da Açitsuj. Essas anotações são importantes para recordar as decisões tomadas pelo Ziuj em relação ao destino do Uer, em julgamento. Elas contêm todos os detalhes sobre o que levou o moribundo a enfrentar o julgamento e determinam o lugar onde cumprirá a pena por seu delito.

Outro fato interessante é que somente os iniciados nos rituais dos Açitsuj têm acesso às informações sagradas e são capazes de compreender a língua secreta dos signatários da Açitsuj.


Ah! Estava esquecendo de relatar sobre uma figura importante na hierarquia da Açitsuj: o Rotomorp. Ele é um membro sagaz, inteligente e muito perigoso, com a função de iniciar um Otireuqni, que é uma espécie de suplício para qualquer silvícola em situação de conflito.

Diz-se que o Rotomorp é guiado por Sainulac ou Sedadrev, e cabe somente a ele iniciar esse ritual de separação entre o que é Sainulac e Sedadrev, utilizando sua intuição para determinar e conduzir o ritual.


Quanto às habilidades do Rotomorp, acredita-se que sejam sábios e possuam um espírito de justiça. Eles não procuram o bem que existe nos silvícolas, mas sim o mal que eles produzem.


O aspecto mais assustador é que, durante o ritual de separação, o Rotomorp não se preocupa em saber se o moribundo é inocente. Seu objetivo é convencer o Ziuj de que o suplicante merece ser excluído do meio dos Apukás.

Após esse complexo ritual do Rotomorp, encerra-se a primeira etapa do suplício do moribundo e inicia-se a fase na qual o destino de vida, morte ou exclusão diante do Ziuj será decidido.


O que causa temor no Rotomorp é seu poder de decidir o que é verdadeiro ou falso em situações conflitantes. Alguns anciões afirmam que muitos Serotomorp perderam a sensibilidade em relação aos Apukás, esqueceram suas funções, objetivos e, principalmente, a ideia de fazer justiça.


Durante o ritual do Ossecorp, que ocorre diante do Ziuj e de toda a hierarquia, o Odagovda e o Rotomorp começam a falar na língua da Açitsuj, ambos tentando convencer o Ziuj sobre o destino do Apuká em questão. Em alguns casos, convoca-se um conselho chamado iruJ para decidir sobre o futuro do Oãlicav, caso surjam dúvidas ou de acordo com o delito cometido durante a jornada do Apuká em questão.

Confesso que acho esse ritual muito estranho. O Odagovda tenta de todas as formas convencer o Ziuj a proteger o silvícola diante da fúria do Rotomorp.

Essa tentativa de proteção ocorre através do uso de palavras mágicas em um diálogo entre o Rotomorp e o Odagovda, na presença do Ziuj.


Nesse ritual, ambos usam roupas pretas com uma capa, com o objetivo de intimidar todos os presentes na sala sagrada. Na realidade, os trajes que usam simbolizam o que eles são, seu poder, divindade e hierarquia diante de todos.


A vestimenta do Odagovda no ritual é a Aceb, um traje longo e totalmente preto. O Rotomorp usa um Agot com dois fios de tecido na vertical sobre os ombros e um fio que faz uma circunferência sobre o abdômen. O Ziuj também usa uma capa igual à do Rotomorp, ou seja, usa um Agot com fios que prendem sobre os ombros, retratando sua autoridade e imponência.


Quanto ao local do ritual, é fortemente guardado por muitos guerreiros. Somente o Uer, que está sob a proteção do Odagovda, o Rotomorp, que utilizará todas as suas palavras mágicas para levar o suplicante ao ostracismo, o Ziuj, que detém o poder de vida e morte, e um grupo de anciãos chamados Sodaruj, convocados em determinadas circunstâncias, têm permissão para entrar nesse local sagrado.


Segundo alguns exilados, no ritual o que mais importa não é fazer o que é certo, mas sim as oferendas realizadas. Quanto mais dádivas o Odagovda receber, maior será sua influência no ritual. Dizem ainda que muitos envolvidos no ritual não buscam fazer o que é correto, mas sim o que lhes convém. Afirmam que os Apukás sem dádivas estão condenados ao exílio, desprovidos de esperança e vida!

A sensação que temos é que os Apukás não acreditam que seja um ritual justo, que tudo não passa de um teatro, uma grande encenação, pois tudo já está determinado, e o destino do Uer desprovido de dádivas foi consumado antes mesmo do ritual.


Acredita-se que isso ocorra por simples vaidade, falta de nobreza, empatia e ganância por parte de alguns membros dessa casta de seres divinos.


Segundo alguns anciões, a verdade não existe, e quando existe, ela está acompanhada de dádivas. As leis já não fazem mais sentido, os decretos e os cargos são mais importantes do que as leis. Os possuidores de dádivas têm determinado o futuro e o destino dos Apukás.


O que tenho observado é que os Apukás são guerreiros livres, fortes, belos e organizados, porém estão presos a um sistema que valoriza o possuidor de dádivas e oferendas, e não a integridade do ritual.


Os Apukás estão condenados a serem julgados pelas divindades da Açitsuj e jamais conseguirão compreender o que é dignidade e justiça, pois o que mais importa são as dádivas e oferendas na jornada das divindades da Açitsuj.


Posso estar enganado, mas é isso que fica evidente no Ritual do Destino dos Apukás.


Pobres Apukás, que acreditam nas divindades Açitsuj, pois, a justiça é para quem tem dádivas e não para quem quer!


Leinad Atom


Texto inspirado na obra de Horace Miner In: A.K. Rooney e P.L. de Vore (orgs) You and the others: Readings in Introductory Anthropology (Cambridge, Erlich) 1976, “Ritos corporais entre os Nacirema”.

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